Apelação Cível Nº 1006434-95.2020.4.01.9999/MG
RELATOR: Desembargador Federal EDILSON VITORELLI DINIZ LIMA
RELATÓRIO
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON VITORELLI - Em análise a APELAÇÃO interposta pela PARTE AUTORA contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício por incapacidade sob o fundamento de não estar comprovada a condição de segurado especial.
Razões recursais: a recorrente sustenta que foi concedido erroneamente o benefício de renda mensal vitalícia por invalidez ao autor, de forma que na data da DER, ele comprova a condição de segurado especial. Nestes termos, requer a reforma da sentença para a conversão do benefício assistencial para o benefício de aposentadoria por invalidez.
O INSS, apesar de devidamente intimado, não apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Sentença não sujeita ao reexame necessário (art. 496, I e §3º, Código de Processo Civil/2015).
Presentes os pressupostos e requisitos de admissibilidade, conheço do recurso interposto.
MÉRITO
Nos termos da legislação de regência, a concessão dos benefícios de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença, atualmente denominados de aposentadoria por incapacidade permanente e de auxílio por incapacidade temporária, pressupõe a comprovação dos seguintes requisitos: a) qualidade de segurado; b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais (art. 25, I, Lei 8.213/91), salvo nos casos de dispensa legal (artigos 26; 39, I, e 151, Lei 8.213/91); e c) a superveniência de incapacidade laboral à filiação ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Registre-se que a concessão da aposentadoria por invalidez (aposentadoria por incapacidade permanente) exige a comprovação de incapacidade laboral total e permanente (art. 42 da Lei 8.213/91) enquanto o auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária) pressupõe incapacidade parcial ou total e temporária (art. 59 da Lei 8.213/91).
No entanto, há situações em que, mesmo tendo o perito constatado a incapacidade parcial para o trabalho, será possível a concessão da aposentadoria por invalidez. Isso ocorre nas hipóteses em que as condições pessoais e sociais do segurado evidenciarem a inviabilidade de reabilitação profissional, a qual deve ser uma prognose baseada em evidências científicas e empíricas pertinentes ao caso, não apenas uma suposição hipotética. Nesse sentido, é o entendimento consolidado no C. Superior Tribunal de Justiça: AgInt no AREsp n. 2.036.962/GO, Relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 5/9/2022, DJe de 9/9/2022.
Da mesma forma se posiciona a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, que sedimentou tal entendimento na Súmula 47: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.
Do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez (trabalhador rural)
A concessão do benefício de aposentadoria por invalidez para trabalhador rural, segurado especial, independe do cumprimento de carência, entretanto, quando os documentos não forem suficientes para a comprovação dos requisitos previstos em lei — prova material plena (art. 39, inciso I c/c 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91), exige-se a comprovação do início de prova material da atividade rural com a corroboração dessa prova indiciária por prova testemunhal.
Os requisitos indispensáveis para a concessão do benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez são: a) a qualidade de segurado; b) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo nas hipóteses previstas no art. 26, inciso II, da Lei n. 8.213/1991; e c) a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual por mais de 15 dias ou, na hipótese da aposentadoria por invalidez, incapacidade (permanente e total) para atividade laboral.
Anterior concessão do auxílio-doença pela autarquia previdenciária comprova a qualidade de segurado da requerente, bem como cumprimento do período de carência, salvo se ilidida por prova em contrário.
A situação peculiar do trabalho rural e a dificuldade encontrada pelos trabalhadores em comprovar o vínculo empregatício, o trabalho temporário ou mesmo o trabalho exercido autonomamente no campo são fatores que permitiram que a jurisprudência considerasse outros documentos (dotados de fé pública) não especificados na lei, para fins de reconhecimento da condição de segurado especial e concessão dos benefícios a eles previstos em lei.
Assim, conforme jurisprudência pacificada dos Tribunais, a qualificação profissional de lavrador ou agricultor, constante dos assentamentos de registro civil, constitui indício aceitável do exercício da atividade rural, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, podendo projetar efeitos para período de tempo anterior e posterior, conforme o princípio da presunção de conservação do estado anterior, ao nele retratado, desde que corroborado por segura prova testemunhal. A lei não exige que o exercício de atividade rural seja integral ou contínuo (art. 48, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91).
Frise-se, ainda, que a jurisprudência do STJ (REsp 1650326/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, julgado em 18/04/2017, DJe 27/04/2017) firmou orientação no sentido de que, diante da dificuldade do rurícola na obtenção de prova escrita do exercício de sua profissão, o rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural inscrito no art. 106, parágrafo único, da Lei 8.213/1991 é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo, inclusive que estejam em nome de membros do grupo familiar ou ex-patrão.
Em decorrência, é possível estender-se a qualificação profissional do marido, de modo a constituir início razoável de prova material do exercício de atividade rural à esposa (AgRg no AREsp 363.462/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, julgado em 17/12/2013, DJe 04/02/2014), sendo tal possibilidade afastada somente nos casos em que houver exercício de trabalho incompatível com o labor rurícola de economia familiar, como o de natureza urbana (REsp 1.684.569-SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 03/10/2017, DJe 16/10/2017).
Incluem-se como idôneos para comprovação do exercício de atividade rural, portanto, dentre outros: a ficha de alistamento militar: (i) o certificado de dispensa de incorporação (CDI) e o título eleitoral em que conste como lavrador a profissão do segurado (STJ, AgRG no REsp 939191/SC, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJe 07/04/2008); (ii) a certidão de casamento, ainda que inexista prova documental do período antecedente ao casamento do segurado, desde que os testemunhos colhidos em juízo corroborem a alegação da inicial e confirmaram o trabalho do segurado em período antecedente (REsp 1348633/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014, julgado sob o rito do art. 543-C, do CPC/1973 no TEMA 638); (iii) a carteira de sindicato rural e boletim escolar de filhos que tenham estudado em escola rural (STJ AgRG no REsp 967344/DF, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJe 07/04/2008); (iv) a certidão de casamento que atesta a condição de lavrador do cônjuge ou do próprio segurado (STJ, REsp 1650776/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 20/04/2017 e TNU, Súmula 6: “A certidão de casamento ou outro documento idôneo que evidencie a condição de trabalhador rural do cônjuge constitui início razoável de prova material da atividade rurícola”); (v) a declaração de Sindicato de Trabalhadores Rurais, devidamente homologada pelo INSS ou pelo Ministério Público (STJ, AgRg no AREsp 550.391/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 08/10/2014).
Caso concreto
No presente caso, apenas a parte autora interpôs recurso, de modo que a controvérsia, nesta esfera recursal, cinge-se à qualidade de segurado especial, única questão suscitada na apelação.
Em análise dos autos, o autor sustenta que requereu benefício por incapacidade, tendo sido concedida erroneamente pela autarquia previdenciária o benefício de renda mensal vitalícia por incapacidade, de forma que à época da data de entrada do requerimento administrativo, teria sido atestado a qualidade de segurado especial do autor.
Ressalta-se que a incapacidade do autor é incontroversa, considerando que a autarquia previdenciária concedeu o benefício assistencial administrativamente.
Na hipótese dos autos, o autor apresentou como início de prova material: a) sua certidão de casamento, datado em 1970; (ii) certidões de nascimento dos filhos, datado em 1972, 1976 e 1987; e (iii) carteira do sindicato dos trabalhadores rurais de Matipó, datado em 1993.
Em que pese o entendimento do juízo a quo, os documentos apresentados pela parte autora, aliados aos demais elementos produzidos nos autos, formam um contexto probatório apto a demonstrar o efetivo exercício de atividades rurais no período de carência necessário à concessão do benefício, considerando a data da DER, em 1993.
Além disso, a prova oral produzida em audiência também foi firme e coerente no sentido de comprovar que o autor exerceu atividades unicamente rurais por toda a vida, corroborando o início de prova material produzido nos autos.
Dessa forma, demonstrado o preenchimento dos requisitos necessários, reforma-se a sentença para converter o benefício de renda mensal vitalícia por incapacidade para aposentadoria por invalidez, com DIB a contar do requerimento administrativo.
Tendo em vista que, entre o termo inicial do benefício e a data do ajuizamento da ação transcorreu lapso temporal superior a cinco anos (art. 103, parágrafo único, da Lei 8.213/91 e Súmula 85 do STJ), é devido o reconhecimento da prescrição quinquenal.
Considerando que o benefício assistencial e o previdenciário são inacumuláveis (art. 20, §4º, da Lei 8.742/93), é devida a compensação dos valores recebidos, nos termos do art. 115, II, da Lei 8.213/91.
Juros e correção monetária
Sobre o montante dos atrasados devem incidir juros de mora e correção monetária de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal, o qual está em consonância com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento, com efeito vinculante, do RE 870.947/SE (Tema 810) e do REsp 1.492.221 (Tema 905), respectivamente.
Ônus sucumbenciais
Diante da sucumbência do INSS, condeno-o ao pagamento dos honorários advocatícios, a serem fixados no percentual mínimo da faixa indicada no inciso do art. 85, §3º, do CPC que corresponder ao valor obtido por ocasião da liquidação.
Ressalte-se que os honorários terão como base de cálculo o valor da condenação (parcelas vencidas até a prolação do acórdão – Súmula 111 do STJ), nos termos do art. 85, §§3º, 4º, I, do CPC/2015.
Isenção de custas na forma da lei.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por DAR PROVIMENTO à apelação da parte autora para reformar a sentença, convertendo o benefício de renda mensal vitalícia por incapacidade em aposentadoria por invalidez, com DIB a contar do requerimento administrativo e a pagar os valores em atraso desde então, corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de mora, além de honorários advocatícios, observada a prescrição quinquenal e a compensação de valores.
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