Apelação Cível Nº 1010857-33.2018.4.01.3803/MG
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 1010857-33.2018.4.01.3803/MG
RELATORA: Desembargadora Federal LUCIANA PINHEIRO COSTA
RELATÓRIO
Trata-se de APELAÇÃO interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de conversão da aposentadoria por tempo de contribuição do autor em aposentadoria especial, desde a data da concessão, mediante enquadramento dos períodos de 13/10/1982 e 24/06/1990 e de 18/01/2003 e 01/07/2015 como tempo especial.
Alega a autarquia, em sua apelação, que as atividades realizadas em frigorífico na vigência do Decreto 53.831/64 e do Decreto 83.080/79 só podem ser consideradas como tempo especial se comprovado o contato com animais infectados, não podendo ocorrer o enquadramento por simples categoria profissional. Afirma que o contato com animais doentes ou contaminados em frigoríficos e açougues só ocorre eventualmente, não de forma habitual e permanente. Por outro lado, para enquadramento da atividade como especial em razão do frio, essa deve ter sido exercida em locais com temperatura comprovadamente inferior a 12º C, o que também não ocorria com o autor senão de forma eventual, já que permanecia dentro das câmaras frias por todo o tempo de serviço. Além disso, afirma que, a partir de 05/03/1997 não há qualquer previsão legal de reconhecimento da atividade com exposição ao frio como tempo de serviço especial.
Contrarrazões apresentadas.
É o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação do INSS para negar-lhe provimento.
A legislação que rege o tempo de serviço é aquela vigente à época da sua prestação, em obediência aos princípios da irretroatividade da lei civil e do direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88 e art. 6º, § 2º da LICC), de modo que a lei nova deve respeitar o tempo de serviço já prestado pelo trabalhador sob a égide da lei anterior, uma vez que já integra o seu patrimônio jurídico como direito adquirido. (STJ, REsp 395.988, Sexta turma, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 19/12/2003).
O reconhecimento do tempo de serviço prestado sob condições especiais, à exceção do trabalho exposto a ruído e calor, podia ser realizado apenas com base em enquadramento pela categoria profissional do trabalhador até o advento da Lei 9.032/95, na medida em que a exposição a condições insalubres, perigosas e penosas decorria de presunção legal (STJ, REsp 1.442.399/RS, Ministro Humberto Martins, DJ de 07/04/2014; REsp 1.215.055/SC, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJ de 04/04/2014).
Com a edição da Lei 9.032/95, para efeito de enquadramento em tempo especial, passou-se a exigir a comprovação pelo segurado do tempo de trabalho permanente em atividades com efetiva exposição a agentes nocivos físicos, químicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física. Importante ressaltar que o tempo de trabalho permanente a que se refere o § 3.º do art. 57 da Lei 8.213/91 é aquele continuado, não eventual ou intermitente, não implicando, contudo, que o labor, na sua jornada, seja ininterrupto sob as condições de risco (STJ, AREsp 402.429/PR, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de 08/04/2014). Nesse período até a edição do Decreto 2.172/97, o exercício da atividade especial pode ser comprovado mediante a apresentação de formulários SB-40, DIRBEN 8030 e DSS-8030, que têm presunção de veracidade.
Por outro lado, como o rol de atividades descritas nos Decretos 53.831/64 e 83.080/79 é exemplificativo, a presunção legal não impede que outras atividades sejam tidas como insalubres, perigosas ou penosas, desde que estejam devidamente comprovadas. (STJ, AREsp 489576/RS, Ministro Og Fernandes, DJ de 08/04/2014; TFR, Súmula 198).
A partir da regulamentação da Lei 9.528/97 pelo Decreto 2.172/97, a comprovação da atividade especial passou a ser feita mediante formulário, na forma estabelecida pela autarquia previdenciária, emitido pela empresa e seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho.
A partir de 11/12/1998 (Lei 9.732/98), os laudos técnicos devem observar o que determina a legislação trabalhista, com inclusão de indicações sobre novas tecnologias de EPI e EPC que possam minorar quaisquer danos à saúde dos trabalhadores. Desde 01/01/2004, impõe-se a apresentação do perfil profissiográfico previdenciário – PPP (Instrução Normativa INSS/DC 95/2003).
O PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, elaborado nos termos dos artigos 272, II, e 273 da Instrução Normativa INSS 128, de 28 de março de 2022, e art. 68, § 3º, do Decreto 3.048/99, constitui documento bastante e suficiente para comprovar a exposição do segurado a agentes insalubres em nível superior ao tolerável, devendo constar os profissionais responsáveis e habilitados pelos registros ambientais e/ou monitoração biológica, reunindo, assim, em um só documento tanto o histórico profissional do trabalhador como os agentes nocivos apontados no laudo, consignando detalhadamente as suas conclusões. A referida instrução normativa, atualmente em vigor, em seu art. 274, prevê que o PPP é o único documento exigível do segurado para fins de comprovação da exposição ao agente nocivo em período posterior a 1º de janeiro de 2004 (inciso IV), além de poder suprir a ausência dos demais formulários em relação aos períodos laborados até 31/12/03 (incisos I a III, alínea b), caso a emissão tenha ocorrido após essa data, de forma que deve ser aceito, inclusive quando produzido extemporaneamente e por similaridade.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou tese repetitiva no sentido de que o PPP devidamente preenchido pela empresa empregadora reveste-se de presunção juris tantum de veracidade, dispensando a apresentação do Laudo Técnico das Condições Ambientais e de Trabalho (LCAT) que embasou o seu preenchimento (Petição nº. 10.262/RS, 2013/0404814-0, em 08/02/2017). Além disso, o subscritor do formulário sujeita-se a penalidades criminais em caso de falsidade das informações ali inseridas. Logo, à míngua de comprovação inequívoca de eventual falsidade, prevalecem as informações constantes no documento apresentado quando assinado por representante da empresa. (TRF1, AMS n. 0007749-53.2013.4.01.3814, Juiz Federal Daniel Castelo Branco Ramos, 2ª CRP/MG, DJe de 05/07/2019, entre outros).
Relativamente ao agente frio, este é considerados insalubre, independentemente de contato com agentes biológicos, sendo que o agente agressivo frio possui previsão nos anexos dos Decretos nºs. 53.831/64 (Código 1.1.2), 83.080/79 (Código 1.1.2) e 3.048/99 (Código 2.0.4), que estabelecem como anormais as atividades em locais com temperaturas inferiores a 12°C.
Da mesma forma, a NR-15, a que faz remissão o Decreto 3.048/99, estabelece o seguinte em relação ao frio:
1. As atividades ou operações executadas no interior de câmaras frigoríficas, ou em locais que apresentem condições similares, que exponham os trabalhadores ao frio, sem a proteção adequada, serão consideradas insalubres em decorrência de laudo de inspeção realizada no local de trabalho.
No que tange à utilização dos equipamentos de proteção individual (EPI) ou coletiva (EPC), o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 664335/SC, Ministro Luiz Fux, Plenário, DJe de 12/02/2015, com repercussão geral reconhecida, fixou que I) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; e II) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.
Dessa forma, o simples fornecimento e até a utilização do EPI, ainda que consignados no PPP, não afastam a nocividade do agente, mas apenas a comprovação efetiva de neutralização no caso concreto pode excluir o enquadramento do tempo de serviço como especial, pelo menos até o julgamento do Tema 1.090 pelo STJ, em regime de recurso repetitivo (REsp 1.828.606/RS, 1ª. Seção).
No caso em exame, o período de 13/10/1982 e 24/06/1990 realmente foi enquadrado por categoria profissional no código 1.3.1 do Decreto 53.831/64 e do Decreto 83.080/79, já que consta na CTPS do autor que ele era magarefe (açougueiro) na empresa Supermercados Alô Brasil. É verdade que esse código implica em operações com animais infectados, que não é o caso de um supermercado. Contudo, a atividade pode ser considerada especial por ser o autor, na condição de açougueiro, operador de câmaras frigoríficas, conforme item 1.1 2 de ambos os decretos. A exposição a frio de abaixo de 12º C, embora não exigida pelo Decreto 83.080/79, só pelo Decreto 53.831/64, é característica desse tipo de trabalho. De qualquer forma, sendo o enquadramento por categoria profissional, não se faz necessária essa comprovação, havendo presunção de que tal requisito foi atendido.
Quanto ao período de 18/01/2013 a 1º/07/2015, o autor apresentou PPPs da Companhia Brasileira de Distribuição, que atestou a exposição a frio nos termos da NR-15, a que faz remissão o Decreto 3.048/99. Observa-se que, conforme mencionado pela sentença recorrida, foi realizada também perícia trabalhista relativa ao trabalho exercido nesse período, sendo constatada a insalubridade, já que não eram fornecidas jaquetas térmicas suficientes para a equipe, bem como porque o apelado passava cerca de 3 horas por dia dentro das câmaras frias, com temperatura aproximada de 12ºC negativos.
Dessa forma, deve ser mantida a sentença recorrida.
Juros de mora e correção monetária
Correção monetária e juros de mora constituem matéria de ordem pública, aplicável ainda que não requerida pela parte ou que omissa a sentença, de modo que sua incidência pode ser apreciada de ofício, inclusive em reexame necessário, sem ofensa aos princípios da non reformatio in pejus e da inércia da jurisdição. (STJ, REsp 1652776/RJ, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 24/04/2017; AgInt no REsp 1364982/MG, Relator Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 02/03/2017).
Logo, juros de mora e correção monetária nos termos da versão atualizada do Manual de Cálculos da Justiça Federal, que já incorpora o julgamento do RE 870.947/SE (Tema 810 do STF), do REsp 1.495.146 (Tema 905 do STJ) e a EC 113, ou outra versão que a venha substituir.
Honorários advocatícios e custas processuais:
Considerando que a sentença foi publicada após 18/03/2016, majoro em 5% (cinco por cento) os honorários advocatícios, nos termos do disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015.
Sem custas pelo INSS, na forma do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/1996 e do art. 10, I, da Lei nº 14.939/2003 do Estado de Minas Gerais.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.
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